segunda-feira, 23 de abril de 2012

Por um verdadeiro 25 de Abril, por uma verdadeira Revolução, pelo bem de todos os seres!



Tinha 14 anos quando se deu o 25 de Abril de 1974. Jamais esquecerei a súbita explosão de alegria e entusiasmo nas ruas com a queda de um regime opressivo e a ardente expectativa de se construir um país melhor para todos! Jamais esquecerei a multidão que se juntou na Alameda D. Afonso Henriques no dia 1 de Maio para voltar a comemorar em liberdade o Dia do Trabalhador. É impossível esquecer o contagiante sentimento de unidade, fraternidade e generosidade que unia a todos naqueles dias, em que se sentia que tudo era possível e uma sociedade voltava a ser uma comunidade com um mesmo desígnio, o de se organizar de forma mais livre, solidária e justa, visando o bem de todos. De repente todos se interessavam por política, porque política significava transformar a vida e construir um Mundo Novo.
Infelizmente, logo predominaram as divisões, os conflitos e a luta pelo poder entre as forças económicas e ideológicas que entre nós representavam os grandes blocos mundiais. A energia da população foi orientada para a luta partidária onde rapidamente triunfaram, nos governos e nas oposições, agendas políticas e económicas internacionais e específicas, que sem pudor sacrificaram a espontaneidade popular e o bem comum. O potencial de profunda mudança do 25 de Abril logo foi domesticado numa mera democracia formal, em que os cidadãos são encorajados a confundir liberdade com o voto periódico em representantes partidários sobre os quais, uma vez eleitos, perdem todo o poder de controle, assistindo passivos e impotentes à traição de todas as promessas eleitorais. O ímpeto de construir uma sociedade mais justa, apesar de ter dado origem a uma das Constituições mais evoluídas do mundo, rapidamente foi neutralizado pela subordinação das forças sociais e económicas às regras de jogo do capitalismo mundial e a consagração dos fundamentais direitos constitucionais foi-se tornando cada vez mais letra morta. Dois ou três partidos instalaram-se no poder e outros tantos na oposição, uns a gerirem os interesses da grande finança e outros a reagirem contra isso, sindicatos incluídos, mas todos isentos de vontade de mudança estrutural e profunda. A comunicação social foi comprada e silenciada. Desiludidos com os partidos, com os políticos e com a política em geral, que passaram a ser palavras com sentido negativo, os portugueses começaram a abster-se cada vez mais de votar e de participar na vida cívica. A onda de entusiasmo do 25 de Abril de 1974 deu lugar a uma ressaca de passividade “democrática” estranha mas significativamente semelhante ao conformismo do Portugal de Salazar e Caetano.
Portugal entretanto entrou para a Europa, que lhe exigiu a destruição das bases da sua economia, em particular a agricultura, trocadas por auto-estradas, serviços e funcionários, teve acesso a fundos europeus desbaratados em corrupção e obras de fachada, fez o jogo dos bancos deixando-se seduzir pelo acesso ao paraíso do crédito fácil e viciou-se no consumismo compulsivo. O interior foi abandonado e desertificado, uma população desenraizada concentrou-se no litoral e nas grandes cidades, destruiu-se a paisagem para edificar betão e a ganância do turismo desordenou ainda mais o território. O espírito de cooperação deu lugar ao individualismo e à competição de todos contra todos e o impulso colectivo para a construção de um mundo novo degradou-se em devaneios de novo-riquismo ostentatório, na peregrinação aos hipermercados, na acumulação de futilidades e no sonho de proezas futebolísticas.
Desta alienação colectiva, induzida por sucessivos governos como sinal de progresso, mal despertamos agora para pagar a factura da gestão danosa desses mesmos governos, para pagar com juros gigantescos uma dívida obscura, que todos contraímos sem saber, porque ninguém nos disse a verdade e todos nos mentiram, mas que também, além de ter muito de inventado, é a factura da crise do capitalismo mundial, que pretende prolongar a sua vida artificial, feita de especulação financeira, com os balões do oxigénio da vida real das populações, dos seres vivos e do planeta que explora e destrói como um predador selvagem, desesperado e descontrolado. E súbita e brutalmente vemos, mediante medidas financeiras sem plano económico, o que restava de um Estado medianamente social a ser desmantelado, subsídios abolidos, vencimentos, pensões e reformas diminuídos, as garantias de emprego e de segurança social a desaparecerem, a habitação, a alimentação, a saúde e a educação cada dia mais caras, a justiça na miséria de sempre, por via de uma austeridade cirurgicamente dirigida para a classe média e baixa e para o empobrecimento compulsivo da população. Sectores fundamentais da economia, como a electricidade, a energia e as águas, são ainda mais privatizados ou correm risco disso, o desemprego e a precariedade aumentam, cada vez mais famílias descem abaixo do limiar de pobreza, os idosos vivem com pensões de miséria que não chegam para medicamentos e os jovens não têm horizontes. Ao mesmo tempo as castas de políticos e administradores, gestores dos interesses das corporações e da finança mundial e principais responsáveis por este estado de coisas, continuam a auferir impunes de todas as regalias económicas e sociais, apenas ligeiramente aparadas para não ser demasiado escandaloso.
O radioso horizonte de esperança de Abril de 1974 converteu-se num sentimento de beco sem saída, a não ser a da emigração de um país condenado a pagar uma dívida impagável e a ser cada vez mais espezinhado pelos poderosos da Europa e do mundo. Muitos dos melhores e mais activos portugueses começam de novo a emigrar, abandonando um país uma vez mais amordaçado e triste, deprimido, descrente e envelhecido. Trinta e oito anos após sair de meio século de ditadura política, Portugal cai numa mal disfarçada tirania económico-financeira e vive num clima de medo e de pensamento único, em que a contestação se confronta de novo com a repressão policial.
Este é um dos lados da moeda e não devemos ignorá-lo. Mas outro é o da ebulição, em Portugal e em todo o mundo, também como reacção a esta situação, de um sem número de movimentos e iniciativas que buscam seriamente uma alternativa ao actual sistema e nele procuram plantar desde já as sementes de um Mundo Novo, que há-de emergir do colapso inevitável da actual (des)ordem mundial, que não é evidentemente sustentável a nível planetário, em termos energéticos, alimentares e ecológicos, mas também em termos da opressão, sofrimento e mal-estar galopantes que gera nos seres vivos, humanos e não-humanos. E não é sustentável a curto prazo, como inúmeros e isentos relatórios científicos abundantemente documentam e anunciam. Na verdade, todo o sistema, político, económico ou outro, que gere a opressão e infelicidade das populações, a destruição da biodiversidade e dos ecossistemas, todo o sistema que violente a Vida, é já um cadáver de pé, que mais cedo ou mais tarde há-de cair. É o que já acontece no momento em que vivemos.
Temos pois de estar atentos aos sinais dos tempos e promover todas as alternativas sérias e credíveis que antecipem desde já o mundo novo que desejamos, sem ficarmos à espera de governos e partidos obsoletos, que excederam o prazo de validade: uma espiritualidade laica, não dogmática, baseada menos na crença irreflectida do que na consciência fraterna e na transformação ética da vida, que promova o diálogo entre religiosos, agnósticos e ateus; uma cultura multicultural e inter-disciplinar, aberta a novos paradigmas holísticos, que vejam a realidade e os seres como uma totalidade orgânica inter-conectada; novas práticas e currículos educativos, que visem o desenvolvimento integral das crianças e dos jovens, não só do intelecto, mas também da sensibilidade e da consciência ética global, extensiva aos homens, aos animais e ao planeta; a introdução das técnicas de atenção plena, com imensos benefícios psicossomáticos cientificamente comprovados, na vida quotidiana e nas situações mais adversas e exigentes, como escolas, hospitais, empresas e prisões; terapias alternativas, mais naturais e saudáveis, que não lucram com a doença e estão livres da escandalosa conivência entre a classe médica e os laboratórios farmacêuticos; novas dietas alimentares, mais éticas, saudáveis e ecológicas, que, conforme as recomendações da ONU, devem passar pela redução do consumo de carne e lacticínios e pelo aumento do recurso a cereais e legumes; um novo modelo de organização social e política, que descentralize e desburocratize o exercício do poder e faça a transição da democracia representativa para uma democracia mais directa, onde os cidadãos possam controlar e demitir os representantes que não cumprirem as funções e o programa para o qual forem eleitos; um novo sistema eleitoral, com um único círculo nacional, que permita uma representatividade mais equitativa de todas as forças políticas e possibilite a candidatura de listas de cidadãos independentes dos partidos; um novo modelo económico, que faça a transição da economia de mercado para uma economia baseada em recursos e liberte o planeta e os seres vivos da ideia demente e suicida de rentabilizar ao infinito recursos naturais finitos; o abandono definitivo das energias fósseis e a sua substituição por energias renováveis, promovendo as tecnologias amigas do ambiente; o regresso à terra, com base na agricultura biológica e na permacultura, também nos centros urbanos; a assunção clara de uma nova aliança entre os homens, os seres vivos e a Terra como matriz de uma nova civilização, para o qual há que consagrar na Constituição da República Portuguesa a senciência dos animais e o valor intrínseco do mundo natural, bem como aprovar um estatuto jurídico dos animais que lhes confira personalidade jurídica e conduza à criminalização de todos os atentados contra a sua integridade física e psicológica. Sim, porque, vivamos nós em ditadura ou democracia, os animais vivem numa ditadura bem mais dura, total e cruel. Para eles nunca houve qualquer tipo de 25 de Abril.
É no sentido destas alternativas que se movem os sectores mais conscientes e evoluídos da sociedade portuguesa e mundial. Isto exige de todos nós muita abertura, generosidade e inconformismo. Perante a passividade bem domesticada e ordenada em que muitos ainda se arrastam, é o momento de renovar o Elogio da Indisciplina feito por Fernando Pessoa. Temos de ser novos e bons rebeldes, pela mais justa de todas as causas, a causa do bem de tudo e de todos.
No meu caso pessoal, é esta rebeldia que me traz de volta à intervenção cívica, social e política mais directa, após a ter trocado pela intervenção cultural, desiludido com o conformismo partidário no pós-25 de Abril. E faço-o porque, com muitos amigos e o apoio de dezenas de milhares de portugueses, está a ser possível criar um partido diferente, o partido dos que tomam partido pelo todo e não pela parte, um partido que toma partido pelo bem de tudo e de todos, o PAN - Partido pelos Animais e pela Natureza - , que abraça como uma só as três causas, humana, animal e ecológica. O PAN assume-se como a voz política em Portugal de todas as alternativas éticas, científicas e saudáveis a um sistema decadente e moribundo e de todos os movimentos, associações e iniciativas cívicas que, nas várias áreas, convergem já, estejam disso ou não conscientes, para a criação de uma nova civilização, mais fraterna, solidária e justa para todos os seres e a Terra.
É neste sentido que convoco todos a que celebremos o espírito do 25 de Abril, não apenas o passado, que mal se esboçou e logo foi traído, mas o que está por vir, um verdadeiro e mais profundo 25 de Abril, uma verdadeira e mais profunda Revolução, que nos coloque realmente no rumo de um Mundo Novo, mas agora não só para os homens e sim para todos os seres! Temos de nos libertar de vez deste espírito do Portugal dos Pequeninos, o Portugal da mesquinhez e da mediocridade, o Portugal onde a economia e as finanças são mais importantes do que a Vida e que hoje é tão semelhante ao de Salazar e Caetano. Há que erguer um Portugal dos Grandes, o Portugal das grandes causas, que oriente o nosso espírito aventureiro, inovador e empreendedor para o bem de tudo e de todos!

Vamos a isto, Companheir@s! Sejamos rebeldes pela melhor das causas!

Lisboa, 20 de Abril de 2012

Paulo Borges
Presidente da Direcção Nacional do Partido pelos Animais e pela Natureza

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